A banda que Ann Wilson chamou de “uma das mais mordazes da história”

No vasto panorama da música clássica, os artistas costumam situar-se entre dois extremos: os talentosos por natureza e os obcecados pelo perfeccionismo. A maioria encontra um equilíbrio algures entre estes polos, mas no caso dos Steely Dan, essa linha é difusa. A banda parece ser puxada em ambas as direcções, numa luta constante entre talento e meticulosidade, culminando na criação de algo verdadeiramente notável.
Poucos álbuns ilustram melhor esta dualidade do que Gaucho, lançado em 1980. O disco anterior da dupla Walter Becker e Donald Fagen, Aja, já os havia consagrado como verdadeiros mestres de estúdio, conhecidos pela sua produção imaculada e pela busca implacável da perfeição. Assim, quando chegou a altura de gravar Gaucho, a banda elevou ainda mais os padrões, descartando qualquer elemento que considerassem inadequado.
O guitarrista dos Dire Straits, Mark Knopfler, que participou no processo de gravação, descreveu a experiência como “tentar nadar com pesos de chumbo amarrados aos pés”, sublinhando a exigência extrema do duo. No entanto, havia método nesta obsessão pelo detalhe. O resultado foi um dos melhores álbuns da banda, com uma colecção de canções aclamada tanto pelo público como pela crítica. O disco recebeu uma nomeação para ‘Álbum do Ano’ nos Grammys e conquistou o prémio de ‘Melhor Engenharia de Som’.
Recentemente, Gaucho voltou a ser reconhecido de forma menos institucional, mas igualmente significativa. Durante uma entrevista, Ann Wilson, vocalista da banda Heart, revelou que este seria um dos cinco álbuns que levaria consigo para uma ilha deserta. A escolha surpreende ainda mais porque, segundo ela, os Steely Dan sempre se consideraram acima da concorrência.
“Uma das bandas mais mordazes da história”, afirmou Wilson ao canal AXS TV. “Músicos incrivelmente talentosos, com uma abordagem quase de jazz fusion, mas as canções são tão cativantes, engraçadas e bonitas. Não há uma música fraca em todo o disco”.
A própria banda Heart sempre desafiou as normas, tanto sonoras quanto políticas, da indústria musical. Inspiradas pelo hard rock e heavy metal, Ann e a sua irmã Nancy, guitarrista do grupo, conseguiram fundir riffs pesados com uma voz poderosa, desafiando os padrões do rock tradicional. Nos anos 70 e 80, enfrentaram um meio dominado pelo sexismo, afirmando-se como músicas de estúdio versáteis e inovadoras, capazes de misturar estilos e criar um som único.
Assim, não é de admirar que o experimentalismo de Becker e Fagen tenha sido uma grande fonte de inspiração para elas. No programa Celebrity Playlist Podcast, Wilson detalhou a influência dos Steely Dan na música:
“Eles pegaram no jazz, inverteram-no e criaram algo completamente novo misturando-o com rock. A sonoridade da Costa Leste, cheia de sarcasmo, ironia e um toque de arrogância, tornou-se incrivelmente acessível. Ainda hoje me pergunto como conseguiram fazer isso”.
A abordagem inovadora dos Steely Dan continua a influenciar artistas de diferentes gerações, provando que a genialidade pode, por vezes, nascer da obsessão pelo detalhe.